A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E SUAS REPERCUSSÕES NAS DISFUNÇÕES GENITOURINÁRIAS
Palavras-chave:
Violência; obstétrica; fisioterapia; uroginecologiaResumo
O ato de gerar uma vida desperta uma variedade de sentimentos, como alegria, esperança e a expectativa de um futuro, desde os primórdios, o nascimento de um novo ser possui grande significado para as famílias, sendo considerado uma celebração e a continuidade de seus membros (Sturza; Nielsson; Andrade, 2020). No entanto, a Violência Obstétrica (VO) constitui uma forma de agressão que acomete mulheres durante a gestação, parto e pós parto, infelizmente, muitas vezes são os próprios profissionais de saúde, que deveriam oferecer cuidado e acolhimento, os responsáveis por esse tipo de violência durante momentos de vulnerabilidade física e emocional (Palma; Donelli, 2017).
A violência na assistência obstétrica é uma questão complexa e sensível que se manifesta de várias maneiras, incluindo intervenções médicas desnecessárias (enema, tricotomia, infusão intravenosa de ocitocina ou episiotomia), abuso verbal, desrespeito à autonomia da mulher e negligência por parte dos profissionais de saúde (Palma; Donelli, 2017). Essas práticas não apenas violam os direitos humanos das mulheres, mas também têm sérios impactos em sua saúde física e emocional.
De acordo com Streit et al. (2024), a VO está intrinsecamente associada aos direitos humanos e à igualdade de gênero, sendo crucial para o cuidado materno de qualidade e para a preservação da autonomia e da dignidade das mulheres no período de gestação e puerpério. O autor ressalta ainda que esses direitos valem para todas, estão conectados e não podem ser separados, portanto, a violência obstétrica impacta diretamente a saúde e a integridade física e emocional das mulheres, ou seja, em seus direitos básicos.
Em nível internacional, várias legislações condenam essa forma de violência e definem medidas para sua prevenção e enfrentamento, destacando-se a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por garantir direitos essenciais, como a vida, a integridade física e mental, a igualdade e a não discriminação, além de oferecer mecanismos para responsabilizar Estados que não assegurem a proteção das cidadãs (Streit et al, 2024). No contexto nacional e político, as normativas evoluíram, comprometendo-se em viabilizar o cuidado ao longo de toda a vida da mulher, a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e a Rede Cegonha têm desempenhado papel crucial na melhoria do cuidado oferecido durante o parto, o período pós-parto e toda a trajetória reprodutiva (Brasil, 2005).
Portanto o objetivo central deste estudo norteia-se em identificar os aspectos negativos da violência obstétrica e suas repercussões na saúde física destas mulheres, com foco principal nas afecções uroginecológicas.
2 METODOLOGIA:
O presente estudo trata-se de uma revisão de artigos publicados com o intuito de evidenciar as consequências negativas de agressões obstétricas em mulheres em período da gestação. A investigação fundamentou-se em oito artigos que abordam temas como: violência física, psicológica, verbal e obstétrica. Os artigos foram obtidos por meio das plataformas SciELO, PubMed e Caderno de Saúde Pública.
Utilizados como critério de inclusão o tempo de publicação inferior há 10 anos e que as pesquisas fossem com bases nacionais. Definiu-se como critério essencial a utilização apenas de artigos de fontes reconhecidamente confiáveis.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A violência vem sendo alvo de pesquisas, como a segunda edição da “Caderneta Nascer no Brasil” que lançou dados de que dois terços das mulheres relatam ter sofrido algum tipo de violência obstétrica, 46% das mulheres relataram ter passado por exames de toque vaginal inadequado, seguido por 31% de negligencia, e 22% ainda ressaltam outras violências como o abuso físico. Um dado preocupante foi a desigualdade na ocorrência do problema, com maior vulnerabilidade entre mulheres em condições socioeconômicas desfavoráveis (Leal, 2025).
O cuidado pré-natal, em geral, não prepara a mulher grávida psicologicamente para o parto, o medo e insegurança que toda mulher grávida sente são mais estimulados do que prevenidos no pré-natal que ela recebe e no contexto social em que ela passa a sua gravidez. Portanto, o medo do parto é exacerbado com as primeiras contrações uterinas, requerendo um apoio psicológico para a mãe, fato que praticamente inexiste hoje no Brasil (Brito, 2023).
Embora existam orientações específicas referente às condutas obstétricas, ainda hoje nota-se que a violência obstétrica geralmente acontece durante os atendimentos de acompanhamento pré-natal ou durante o parto em maternidades no Brasil, tanto na assistência pública como particular. De acordo com a Organização Mundial de Saúde OMS, mulheres de todo o mundo experimentam abusos, maus-tratos e negligência durante o parto, o que retrata uma situação alarmante, já que estes dados dizem da violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres (Brito, 2023).
As repercussões da violência obstétrica estendem-se de maneira significativa para o assoalho pélvico, uma vez que práticas intervencionistas desnecessárias ou conduzidas de forma violenta, como episiotomias não consentidas ou partos instrumentais, aumentam o risco de lesões musculares, nervosas e ligamentares. Essas alterações estruturais podem desencadear quadros de incontinência urinária e fecal, dor pélvica crônica e prolapso de órgãos pélvicos, comprometendo funções básicas e impactando a qualidade de vida feminina. Em um estudo realizado na Espanha com mais de mil mulheres, observou-se prevalência de 55,8% de incontinência urinária e 14% de prolapso uterino sintomático, fortemente associados a fatores obstétricos e à via de parto vaginal, indicando que intervenções inadequadas durante o parto podem potencializar tais disfunções (Suárez-Serrano et al., 2023).
Além das alterações físicas, a violência obstétrica repercute diretamente na esfera sexual feminina, favorecendo o surgimento de disfunções como dispareunia, hipoatividade sexual e dificuldade de atingir orgasmo, uma revisão sistemática recente demonstrou que entre mulheres que sofreram lesões graves do esfíncter anal no parto, a disfunção sexual variou entre 47% e 81% nos primeiros meses de puerpério, com queda expressiva nos domínios de desejo e excitação, e recuperação limitada mesmo após um ano (Cocchi et al., 2023). Esses dados evidenciam que as consequências da violência obstétrica transcendem o momento do parto, estendendo-se para a saúde sexual e reprodutiva da mulher, exigindo intervenções integradas que considerem não apenas a reparação física, mas também a reabilitação pélvica e o apoio psicológico.
As disfunções do assoalho pélvico podem aparecer após um episódio de violência e históricos negativos de abuso obstétrico durante o período gestacional, ocasionando diversas alterações anatômicas e hormonais, afetando significantemente a qualidade de vida e restringindo a convivência social (Salata et al, 2024). A Violência obstétrica gera traumas físicos e emocionais assim como descrito na “Caderneta Nascer no Basil 2”, onde 18% de mulheres que sofreram a violência apresentam sintomas de depressão, cerca de 16% apresentam ansiedade e 8% estresse pós-traumático em decorrência de uma série de eventos de abuso durante o parto. (Leal, 2025).
A atuação da fisioterapia pélvica no atendimento a mulheres que sofreram violência obstétrica é fundamental para a reabilitação das disfunções decorrentes das lesões físicas e dos traumas emocionais que acometem esse grupo. Conforme estabelecido pela Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal (Brasil, 2005), o cuidado integral e humanizado no pós-parto deve incluir intervenções que promovam a recuperação funcional do assoalho pélvico, por meio de técnicas específicas como a terapia manual, exercícios de fortalecimento, biofeedback e eletroestimulação, que visam restaurar a musculatura, prevenir complicações como incontinência urinária e prolapsos, e minimizar os sintomas dolorosos (Suárez-Serrano et al., 2023; Cochi et al., 2023). Contudo, o atendimento a essas mulheres requer sensibilidade e preparo profissional para lidar com a complexidade do sofrimento vivido, já que a violência obstétrica frequentemente gera resistência ao toque terapêutico e sentimentos de medo e vergonha, fatores que comprometem a adesão e eficácia do tratamento (Brito; Silva, 2023; Streit; Bueno; Guerber, 2024).
Além das questões técnicas, é imprescindível que a fisioterapia pélvica seja integrada a uma rede interdisciplinar que contemple suporte psicológico e social, possibilitando um acolhimento completo às necessidades físicas e emocionais das vítimas (Palma; Donelli, 2017; Sturza; Nielsson; Andrade, 2020). O enfrentamento do trauma imposto pela violência obstétrica demanda estratégias terapêuticas que promovam não apenas a reabilitação muscular, mas também a ressignificação corporal e a restauração da autonomia da mulher sobre seu próprio corpo. Nesse contexto, o ambiente terapêutico deve ser planejado para oferecer segurança e conforto, com uma abordagem empática que respeite o tempo e os limites da paciente, a fim de evitar revitimização e favorecer a reconstrução da confiança, essenciais para o sucesso do tratamento fisioterapêutico e a melhoria da qualidade de vida (Leal et al., 2025; Brito; Silva, 2023).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho demonstrou que o abuso e a violência obstétrica podem ocasionar diversas consequências negativas para as mulheres durante o parto e no período pós-parto. O puerpério, em particular, pode se tornar um momento de grande vulnerabilidade, favorecendo o desenvolvimento de depressão pós-parto, incontinência urinária e dificuldades na lactação. Nesse contexto, a necessidade de aprofundar pesquisas científicas que possibilitem a definição, mensuração e compreensão do desrespeito e dos abusos sofridos pelas mulheres nesses processos, bem como a identificação de estratégias eficazes para a prevenção e erradicação da violência obstétrica.
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